História do surgimento dos Ministros
Extraordinários em 1967.
Matéria publicada no Jornal mensal “O VICENTINO” de
Batatais-SP.
“Passei
a noite quase toda atendendo confissão. O senhor sabe que sou doente, agora de
manhã, fui visitar os enfermos, levar a comunhão, já quase meio dia, não tomei
nada, cansado! Será que o Concílio que está de portas abertas para a renovação
da Igreja: será que o Papa, os Bispos, Cardeais, não dariam a permissão para um
leigo distribuir a comunhão? Me ajudar aqui?”
Pergunta o então PÁROCO DE
BAMBUÍ-MG, o Missionário Vicentino Pe. José Nunes Coelho, CM, no final
de 1965, em carta dirigida ao seu Bispo, o também vicentino D. Belchior Joaquim da Silva Neto,
CM, na época o titular da Diocese de Luz-MG, que se encontrava em Roma
participando do Concílio Vaticano II.
Nascia naquele momento a
ideia da instituição do MINISTRO EXTRAORDINÁRIO DA EUCARISTIA, hoje adotada nas
Paróquias do mundo todo e que tanto contribui para o trabalho pastoral do
Padre.
D. Belchior apresenta a
sugestão, foi um espanto! Claro que as barreiras surgiram e ele ainda ouviu de
vários colegas:
“O senhor está louco! O
senhor vai expor o SS. Sacramento à profanação”; “Para o pão consagrado, só
mãos consagradas, senhor Bispo!”; - “Se o Papa permitir isso, daqui a pouco até
mulheres estarão distribuindo a comunhão”; “Pelo amor de Deus, não espalhe
isso, não! É um escândalo, onde já se viu isso! Colocar a hóstia consagrada na
mão de leigos! Na minha Diocese isso não entra.”
Tudo isso D. Belchior ouviu
pacientemente e finalmente em maio de 1966, veio a autorização de Roma, primeiro
a três Irmãos, e em seguida a dez leigos. A partir de 1970 o Papa autorizava
para todo o mundo.
Hoje (1999), D. Belchior é
Bispo Emérito de Luz-MG, e um colaborador especial do jornal “O Vicentino”,
de Batatais-SP. Em sua residência, ele narra à nossa reportagem, e pela
primeira vez em nível nacional, todo o desenrolar do processo.
Ministros da Eucaristia:
uma iniciativa Vicentina
Uma decisão importantíssima
da Igreja Católica tomada no final da década de 1960, e que trouxe resultados
marcantes para o bom desenvolvimento do trabalho paroquial, foi a instituição
do Ministro Extraordinário da Eucaristia. Como é do conhecimento de
todos, há uma carência de Sacerdotes em todo o mundo, principalmente num
país-continente como o nosso, de uma enorme população católica e um número
reduzido de Padres para atendê-la. A Igreja, através do saudoso Papa Paulo VI,
concedeu em 1966, inicialmente no Brasil e depois em 1970 no mundo inteiro, que
fosse criado o Ministro Extraordinário da Eucaristia, autorizando-o a distribuir
a Sagrada Comunhão; fazer o Culto Dominical, na ausência do Padre; expor o SS.
Sacramento; fazer a Encomendação dos defuntos, entre outras.
O mundo todo hoje reconhece
o sucesso dessa iniciativa que veio auxiliar e muito, o Pároco, redimensionando
o seu trabalho. No entanto, poucos sabem que ela surgiu de um brasileiro,
um vicentino na verdadeira acepção do termo, que segundo suas próprias
palavras: “Sou um vicentino que tem orgulho de ter nascido na Conferência
Vicentina.” D. Belchior Joaquim da Silva Neto, CM - Bispo Emérito de
Luz/MG.
Através do casal amigo: Cfr. Geraldo da Silva Dias e Aparecida
Célia Dias, de Sto. Antônio do Monte/MG (ele, Presidente do Conselho Central da
SSVP e nosso representante naquela cidade), chegou ao conhecimento deste jornal
“O VICENTINO”, este fato. Com intuito de bem informar nossos leitores,
fomos constatar com o próprio D. Belchior, hoje nosso Colaborador Especial -,
em sua residência em Luz-MG. Ali carinhosamente recepcionados por ele, o
querido irmão vicentino nos concedeu esta entrevista:
O Vicentino: D. Belchior, como surgiu
a ideia da criação do Ministro Extraordinário da Eucaristia?
D. Belchior: Estávamos em 1965, terminando o
Concílio Ecumênico Vaticano II em Roma. Eu era Bispo novo, tinha meus 42 anos,
e desde o começo frequentei todas as reuniões e como Bispo novo a gente é
sempre acanhado, pensei, não vou entrar no meio desses maiorais, para manifestar
as minhas ideias. Mas, acontece que na última fase do Concílio, mês de setembro
ou outubro, já “preparando as malas para vir embora para o Brasil, chega uma
carta do Pe. José Nunes Coelho, CM, vigário de Bambui-MG, (foto abaixo) meu
colega de seminário. Dizia ele: “Senhor Bispo, passei a noite quase toda
atendendo confissão. O senhor sabe que sou doente, agora de manhã, fui visitar
os enfermos, levar a comunhão, já quase meio-dia, não tomei nada, cansado! Será
que o Concílio que está de portas abertas para a renovação da Igreja; será que
o Papa, os Bispos, Cardeais, não dariam a permissão para um leigo distribuir a
comunhão? Me ajudar aqui?”
Uma carta longa! Eu pensei, pensei... não vou consultar a ninguém,
porque aqui estamos entre duas alas: os Bispos conservadores, como D.
Alexandre, D. Castro Maia, e tantos outros e os Bispos mais atualizados com a
Igreja. Pensei, não vou consultar que vai dar confusão. Vou à Cúria Romana, vou
mostrar a carta e falar com eles. Abram esse caminho para a Igreja! O Padre
sozinho, se matando numa paróquia! Fui à Cúria Romana, Sagrada Congregação dos
Sacramentos; os quatro Monsenhores me receberam, atenciosos, mas quando toquei
neste assunto, eles me disseram: “Senhor Bispo, vai desculpar, o senhor está
entrando num assunto delicadíssimo, expondo o Santíssimo Sacramento à
profanação! Entenda, para hóstias consagradas, só mãos consagradas senhor
Bispo!” Eu disse: mas, essa carta aqui, olhem, o Padre trabalhou tanto tempo!
Eles responderam: “É, mas se permitir isso, o senhor vai expor o Santíssimo
Sacramento à profanação.” E um deles ainda disse assim: “Se o Papa permitir
isso, daqui a pouco até mulheres estarão distribuindo a comunhão!”
Imaginem o que havia naquele tempo! Eu logo vi, tenho que andar
devagar. Disse-lhes: senhores Monsenhores, vão me desculpar, mas o Papa Pio XII
em uma determinada época, permitiu religiosos levar a comunhão aos doentes. De
modos que, quem sabe... Eles retrucaram: “Isso é coisa do Papa, coisa passada,
mas hoje não se permite isso.” Saí dali triste, decepcionado. Mas, um daqueles
Monsenhores, me acompanhou até a portaria, e disse-me: “Senhor Bispo, o senhor
tem facilidade em escrever em latim?” Disse-lhe: sou professor de latim no
Seminário. “Escreva uma carta em latim, conte tudo isso, as dificuldades que os
padres têm na sua Diocese, são poucos, e se matam no Apostolado da Eucaristia.
E quem sabe, o senhor vai diretamente ao Papa, mande uma carta em latim ao
Papa. O secretário do Papa, Monsenhor Samoré (ele não era Cardeal ainda), se
compraz em dizer que entende bem a língua portuguesa, mande uma carta em
português a ele, para ele levar em mãos ao Papa.” Falei, está bom. Agradeci
muito a ele, fui ao Domus Mariae, onde estávamos hospedados, escrevi a
carta em latim, outra em português, e fui diretamente à Secretaria de Estado.
Cheguei lá, o Monsenhor Samoré estava muito gripado, não pode me atender. Mas o
secretário dele, quando lhe contei que levava uma carta em latim e o motivo
desta carta, e que ele poderia levá-la ao Papa, ele me disse: “O senhor
escreveu em português? Ele vai delirar! Porque ele se compraz em dizer que
entende bem o português”. Entreguei lá e vim embora.
O Vicentino: Em que data foi
autorizado o primeiro Ministro?
D. Belchior: Quando foi o ano seguinte, em 1966,
recebi isso aqui - carta com a devida autorização, com data de 7 de maio de
1966 (Veja pág. 8 - “no final desta reportagem”). Primeiro eu pedi para três
religiosos, um irmão da Congregação de São Gabriel, professor Necci que está
aqui ainda; para um outro irmão da Congregação da Divina Providência, Ir.
Eugênio; e o terceiro para um irmão dos Padres Sacramentinos, Frei Pio, Diretor
da Obra da Boa-Imprensa. Foi a primeira resposta que recebi. Depois eu pedi a
licença para os leigos também. Veio a licença para esses três Irmãos, e depois
veio uma carta da Secretaria de Estado: “O Papa pede para fazer a experiência
com dez leigos: homens experimentados, de piedade comprovada, e que mereçam
toda a confiança, que façam um curso, uma preparação, e tenham uma veste especial,
para caracterizá-los, um distintivo especial para mostrar que eles estão
encarregados de uma missão muito importante.” É justamente o que usam os
Ministros hoje.
O Vicentino: D. Belchior, esta
sugestão já tinha sido apresentada ao Chefe Supremo da Igreja antes ou ela é
pioneira em todo o mundo?
D. Belchior: Não, nada consta. Foi uma novidade.
Em 1965, o Concílio estava terminando, eles disseram uma coisa que eu não disse
aqui: “Olha uma coisa dessas, senhor Bispo, deveria ser tratado quando nós
preparamos a Constituição Apostólica sobre o “Sacrosanctum Concilium”. O
senhor deixou passar, agora não há mais tempo para tratar disso, já estamos no
fim do Concílio.”
O Vicentino: E hoje, esta prática é
adotada universalmente?
D. Belchior: Desde 1970, fiquei sabendo que o Papa
permitiu para o mundo todo. Agora quanto às mulheres, os Padres mesmo foram
facilitando. Por quê a discriminação? Mas lá na Sagrada Congregação eles
falaram comigo: “Se o Papa permitir isso, daqui a pouco até mulheres estarão
dando comunhão!” Já pensaram?
O Vicentino: Então, da Diocese de
Luz/MG, saíram os primeiros Ministros da Eucaristia do mundo?
D. Belchior: Sim, podem levar as cópias desses
documentos para publicarem, que vieram de Roma.
O Vicentino: Quais os primeiros leigos
que se tornaram Ministros?
D. Belchior: Quando recebi a resposta autorizando
fazer uma experiência com dez leigos, imediatamente fui a Bambuí falar com o
Pe. José Nunes. Visitamos alguns candidatos de reconhecida idoneidade moral e
piedade comprovada, mas nenhum deles aceitou o convite, talvez por medo de ser
considerados clericais ou eclesiásticos. Nem o Fão, de Bambuí, o Manuel Soares,
de Tapiraí, o José Namitala, de Medeiros. (Na foto ao lado os primeiros
Ministros; hoje, falta escanear a foto).
De volta, eu estava com um Padre novo, meu amigo, e eu lhe disse:
que nome daremos a esses distribuidores da comunhão? O que você acha? Ele
pensou, e disse-me: “Acólitos”. Eu disse: Acólito é um nome difícil de falar,
depois acrescentei: eles são Ministros, e para ministrar. Aí ele disse, “que
tal Ministro da Eucaristia”? Eu lhe disse: É muito pomposo esse nome,
Ministro da Eucaristia é o Padre, então poderemos dizer “Ministro
Extraordinário da Eucaristia”, que é o nome correto.
Escrevi a Roma dizendo que fizera experiência com dez homens de
piedade comprovada, conhecidos na Diocese, a maioria confrades vicentinos, e
estão distribuindo a comunhão aos doentes, ajudando o vigário na Paróquia, e
comungando com as suas próprias mãos. Recebi a resposta imediatamente: “Faça
experiência com mais dez e nos conte como eles estão procedendo.” Fiz
igualzinho em 1967 ou 68, não me lembro bem.
O Vicentino: Qual foi a receptividade
dos Bispos Brasileiros sobre a questão?
D. Belchior: Aqui no Brasil, teve muitos Bispos
que não aceitaram de jeito nenhum, não aprovaram. Teve um, de uma Diocese do
Norte de Minas, que veio aqui estar comigo. “Senhor Bispo, pelo amor de Deus,
não espalhe isso não! É um escândalo, onde já se viu isso! Colocar a hóstia
consagrada nas mãos de leigos! Na minha Diocese isso não entra.” Eu lhe
respondi: “Já está feito, o que vamos fazer agora? É tocar para frente, eu acho
que isso vai fazer muito bem à Igreja.” Ele já morreu. Hoje tem outro Bispo lá,
e recentemente eu estive com ele e ouvi dele: “Foi a maior bênção na nossa
Diocese. Todas as Paróquias já têm Ministros.” Estão vendo? Pelo menos essa
alegria eu levarei para junto de Deus. Encontrei muitas dificuldades no começo,
me chamaram até de louco, “Isso é loucura, senhor Bispo!”
O Vicentino: D. Belchior, o senhor
nunca publicou este fato tão importante para a Igreja?
D. Belchior: Eu só publiquei isso aqui no nosso “Jornal
de Luz”, porque D. João Resende Costa, e D. Serafim, de Belo Horizonte me
disseram: “D. Belchior, o senhor nunca escreveu nada sobre isso?” Disse-lhes:
“Não escrevi e não vou escrever, porque isso fica parecendo vaidade. Porque é
algo que tomou vulto maior do que eu poderia pensar, e eu não vou entrar nessa
não.” D. João Resende Costa, que me sagrou Bispo disse-me: “D. Belchior, em
consciência, o senhor é obrigado a contar como aconteceu isso, sobretudo os
vexames que o senhor passou.”
O Vicentino: O “Jornal de Luz”
publicou em maio/97 com o título “Como nasceram os Ministros da Eucaristia”,
matéria (diga-se de passagem muito bem elaborada) onde o senhor narra todo este
acontecimento. Agora, em nível nacional é a primeira vez que isso é levado ao
conhecimento público?
D. Belchior: Sim, eu só falei antes em 97 ao nosso
jornal aqui da cidade.
Quem é D. Belchior?
Nasceu em Araújos, Minas Gerais, próximo a Bom Despacho,
Centro-Oeste Mineiro, aos 7 de novembro de 1918. Primeiro filho do casal
Belchior Joaquim da Silva Zico (1895-1978) e de Anita Maria da Silva
(1898-1959). Fez o curso primário em Luz, para onde seus pais mudaram-se em
1922. Aos 13 anos de idade, foi estudar no Colégio do Caraça, da Congregação da
Missão (fundada em Paris/França, por São Vicente de Paulo em 1625), onde cursou
o 1° e 2° graus, e posteriormente ingressou no Seminário Maior de
Petrópolis-RJ. Ordenou-se Sacerdote pelas mãos de D. João Cavatti, CM - Bispo
de Caratinga-MG, em 8 de dezembro de 1945 em Petrópolis, tornando-se
Missionário Lazarista Vicentino. Seu primeiro trabalho foi como professor no
Seminário de Diamantina-MG e depois Reitor dos Seminários Menor e Maior,
permanecendo ali sete anos. Por determinação dos Superiores, transferiu-se para
o Seminário S. Vicente de Paulo de Fortaleza-CE, para a Escola Apostólica,
ficando lá três anos, pregando nas capitais da região. No fim de 1955, faleceu
o Superior de Diamantina, Pe. José Pires, e ele veio substituí-lo por um ano.
Retorna a Fortaleza, para assumir o maior Seminário do Nordeste, o Seminário de
Prainha, onde estudaram D. Hélder, D. Eugênio, grandes Bispos Arcebispos e
Cardeais. No dia 24 de abril de 1960, na Matriz de São José do Calafate, em
Belo Horizonte-MG, D. João Resende Costa o sagrou Bispo da Diocese de Luz,
nomeado pelo Papa João XXIII. E onde ficou até completar os 75 anos de idade,
quando, de acordo com o Código do Direito Canônico pediu um substituto. Em 18
de maio de 1994, passou o báculo a Dom Eurico dos Santos Veloso, que dirige a
Diocese.
O Sacerdote de Cristo
Minha vocação é até curiosa: Eu nunca tinha pensado em ser Padre.
Meu pai vendeu a fazenda e montou um estabelecimento comercial em Perdigão. Ele
ficou cego de uma vista e o médico o aconselhara a mudar-se para a cidade. Lá
ficou sabendo que existia um lugar chamado Aterrado (hoje Luz), onde o dinheiro
corre; é o “Império do Café”, como dizia antigamente. Me lembro, viemos a
cavalo, eu tinha quatro anos, Pe. Tobias tinha dois, minha irmãzinha Maria do
Carmo estava ainda nos braços e viemos para cá. Somos oito irmãos: quatro
casados, quatro consagrados a Deus.
Uma Freira, um Padre, um Bispo e um Arcebispo que é o Arcebispo de
Belém do Pará, D. Vicente Joaquim Zico. Os outros irmãos casaram-se muito bem,
graças a Deus, são pais de muitos filhos.
Papai abriu um comércio aqui e se deu maravilhosamente. Do
comércio, ele passou a trabalhar em Banco. Foi gerente do Banco Minas Gerais,
correspondente do Banco da Lavoura, e do Banco Hipotecário. Meu pai saiu-se bem
em tudo o que mexia. Foi convidado para entrar para a política, ele disse:
“Isso eu não entro não”. “Não é política, o senhor vai ser o nosso Prefeito”,
disseram. Primeiro Getúlio Vargas, estava escolhendo os Intendentes Municipais:
papai foi o escolhido. Mais tarde concorreu em eleição com a maior figura
daqui, o Dr. Josafá Macedo e venceu com uma maioria de votos tremenda. Tínhamos
naquela época cerca de 3.500 votos, só não votaram nele 400 eleitores... Eu
sempre fui um menino muito levado, gostava de jogar bola e um dia estava numa
‘pelada’ como se diz, em frente à nossa casa, numa poeira danada, quando entrou
um menino que não era dos nossos, um ex-seminarista, que chegava do Caraça. Ele
dirigiu-se a mim dizendo: “É verdade que você vai estudar no Colégio?”
Respondi: estou com as malas prontas, vou para o Colégio São Geraldo de Pará de
Minas. Aí ele disse-me: “Por que você não vai estudar no Caraça?” Eu falei: “O
que e isso?” “Olha, o Caraça é o maior Colégio de Minas Gerais, agora estão
mudando de Colégio para Seminário, mas vá lá para estudar. Se servir para
Padre, bem, se não servir não tem importância, dali você pode entrar para uma
Faculdade e abraçar qualquer profissão diferente.” E confidenciou-me: “Mas,
para você ser feliz, você tem que dizer que quer ser Padre. Aí você já entra
com um bom cartaz.” Pensei, então vou começar agora. Acabou o jogo. Cheguei em
casa. Minha mãe e minha avó estavam lá. “As suas malas estão prontas, seu pai
vai levá-lo na próxima semana para o Colégio em Pará de Minas.” Falei: mamãe,
eu vou dizer uma coisa: não quero ir para lá não. “Mas, o que é isso? Você já
falou com seu pai. está tudo combinado, o enxoval pronto.” É que agora eu
resolvi: quero ser Padre. Elas riram! “Ser Padre? Você nunca falou isso! Não
tem Padre na nossa família; por quê ser Padre?” A senhora nem queria saber o
Dezico, o rapaz que falou comigo, disse que lá no Caraça é bom demais. Tem muita
laranja, frutas em quantidade. Futebol? Tem dois campos. Nadar? Tem dois
tanques (não se falava piscina); e um rio passa em frente ao Colégio. Agora eu
quero é ser Padre mesmo. Mamãe: “Então é para isso que você quer ser Padre? Não
fale isso a seu pai.”
Meu pai era um Vicentino desses firmes, positivo! Era o pobre e
Deus, Deus e o pobre. Não venha com falcatruas que ele não aceitava. Mamãe
continuou: “Não vai dizer ao seu pai que você vai por causa das laranjas,
futebol; ele não deixa. De mais a mais, o enxoval está pronto.”
Então como faço? Vovó disse-me: “Se seu pai perguntar o motivo,
diz que é por causa de Deus e salvação das almas”. Falei, Nossa Senhora que
trem difícil de falar! Nisso papai entra. “Como é que é, está tudo pronto? se
referia ao almoço. Vovó não resistiu: “Sabe o que o Belchiorzinho está falando?
Está querendo ser Padre!” Ele me perguntou: “Por quê você quer ser Padre?” Eu
disse-lhe: “Papai, a vovó que sabe... Mas eu quero.” Antes de ele morrer, ainda
me disse brincando: “No começo você nem sabia porquê queria ser Padre.”
Veja que coincidência, minha família vicentina, eu não sabia que
São Vicente tinha fundado uma Congregação, e fui ser Padre Missionário desta
Congregação. Depois foram meus irmãos: Pe. Tobias, Luiz, e o mais novo, Vicente,
atual Arcebispo de Belém do Pará. Luiz não continuou, ficou doente, depois
casou-se muito bem, mora em Belo Horizonte.
O fato é que venci os estudos com certa facilidade, graças a Deus.
Nunca repeti ano. Nas vésperas de ser Padre, fiz os votos de castidade, pobreza
e obediência na Congregação. É claro que a gente que é homem, vem logo o ponto
de vista de castidade e, na véspera do subdiaconato me lembro que era uma hora
da madrugada, vi a luz acesa do quarto do reitor. Estava de pijama e fui lá.
Ele me disse: “Que é que houve?” Eu disse: “Não vou continuar, não sirvo para
Padre. Padre tem que fazer votos de castidade, e muito difícil; não sei se dou
conta.” Ele disse-me: “Você veio me avisar que vai embora, ou veio pedir uma
palavra minha, um conselho?” Claro que a sua palavra é importante. O senhor é o
meu diretor; era o Pe. Antônio Mourão. “Então venha aqui no fim do ano (era
mais ou menos outubro ou novembro); no fim do ano você vai dizer a sua palavra
decisiva”. Resumindo, até hoje não voltei. Pensei, se é sacrifício, o maior
sacrifício que eu posso fazer a Deus e entregar a minha vida, e Ele vai tomar
conta de mim. Se Ele me criou à sua imagem e semelhança, se Ele me criou para
uma missão para cumprir, e ela está aqui na minha frente, eu vou me afastar,
vou renegar a este chamado? Agora, não esperava ser Bispo.
SSVP na sua vida
Meu pai desde rapazinho frequentava a Conferência Vicentina de
Perdigão, porque não existia em Araújos. Quando começou a aparecer o povoado,
meu pai juntou-se ao “preto”, um antigo escravo da fazenda, que era carne e
osso com o papai, e disse: “Agora vamos a Araújos.” “Mas lá não tem
Conferência”, disse o escravo. “Então nos vamos fundar uma lá.” É a Conferência
de São Sebastião, até hoje funcionando.
Mudando para o Aterrado, que se tornou a cidade de Luz, meu pai
também fundou Conferências. Participava de tudo e fazia questão de me levar,
ainda menino, para a Conferência. Ele fundou a Conferência de São Luiz para
nós: eu, o Tobias, o Vicente, as meninas; nós íamos com o meu pai. De modos que
nasci na Conferência Vicentina.
Me considero um vicentino, me orgulho de ser Vicentino, tenho a
minha Conferência aqui, que é a Nossa Senhora Aparecida. Com a minha doença não
tenho podido frequentá-la, mas sempre depois da Missa nós nos reuníamos. Sou
membro desta Conferência. Não apenas me considero vicentino, mas tenho uma
admiração louca pelos vicentinos.
O Vicentino: D. Belchior muito obrigado
pela carinhosa acolhida, pela entrevista e pelas suas colaborações que honram e
enriquecem este jornal. Esperamos continuar merecendo-as.
D. Belchior: Eu é que tenho que agradecer muito. Vocês sabem, sou
vicentino de coração, entrei no Ministério de Deus, pela Congregação de São
Vicente de Paulo. Nunca pensava que pelo fato de ser um humilde vicentino, ser
chamado com os meus irmãos, para uma Congregação fundada por São Vicente de
Paulo!
Agradeço muito a vocês, uma visita dessas, é uma visita de um
representante de São Vicente de Paulo. Muito obrigado.
CARTA COLETIVA
(De D. Belchior Joaquim da Silva Neto, CM, aos Padres da Diocese
de Luz em 7 de novembro de 1967)
Caríssimos Padres, L. J. C.
Esta missiva é um apêndice ou anexo necessário ao “BOLETIM DO
CLERO”; sobre o Ministro da Eucaristia em nossa Diocese, concedido,
graciosamente pelo Santo Padre, em vista da promoção do Leigo ao serviço da
Igreja.
O Documento vem datado de 20 do corrente, ou antes de outubro
findo (prot. 1951/66- 15246), autorizando os leigos a exercerem o ministério da
Eucaristia em favor do povo de Deus. Podemos, portanto, assim definir-lhes as
faculdades:
1ª - receberem a S. Comunhão das próprias mãos ou darem-se
pessoalmente a comunhão.
2ª - levarem a S. Comunhão aos enfermos.
3ª - ajudarem a distribuir a S. Comunhão na Igreja, caso esteja o
vigário ocupado ou seja, grande acúmulo de fiéis.
4ª - fazerem o Culto dominical, em ausência do vigário, explicarem
as sagradas leituras, ao alcance dos fiéis, ajudarem a administração dos
Sacramentos.
5ª - Exporem o SS. Sacramento para adorações e Horas Santas.
6ª - proporcionarem a Bênção do SS. Sacramento, com exposição e
reclusão das S. Espécies.
7ª - fazerem e Encomendação dos defuntos com as orações do Ritual.
Atenção: pedimos aos RR. vigários fazerem a apresentação dos
candidatos.
1° - que sejam cristãos exemplares na Paróquia ou nas Capelas onde
vão exercer o ministério da Eucaristia.
2º - que, mesmos casados, não sejam gananciosos ou interesseiros,
visando qualquer lucro, pois será um ofício inteiramente gracioso, sem
remuneração, baseado na caridade, no que esta virtude tem de mais sublime, que
é o ministério Eucarístico.
3º - que não sejam políticos ou militantes ostensivamente em
facções políticas, pois seria trazer odiosidade para serviço tão santo e
grandioso.
4° - que tenham certa cultura, podendo ler os livros santos,
Epístolas, Evangelhos, para uma conveniente explicação aos fiéis, no Culto
Dominical.
Com o exercício do ministério, daremos, depois, outros
esclarecimentos.
Humilde servo em Cristo N.
Senhor
D. Belchior - Bispo Diocesano de Luz
Dom Belchior faleceu em 24 de
maio de 2000